o que eu aprendi enquanto me escondia
Quando eu era criança e brincava de esconde-esconde eu me escondia, quase sempre, dentro do meu guarda-roupa ou no cantinho entre a parte de trás do sofá e a parede. Eu me encolhia para caber naqueles espaços e prendia a respiração para não me encontrarem. O coração acelerava, eu ficava ofegante por não saber se seria descoberta, e com a mesma rapidez que eu me fazia caber naqueles espaços eu me desenrolava e corria para me salvar quando os passos se afastavam.
Hoje eu acordei com aquela melancolia da vida adulta, sabe? Aquele dia que algo nostálgico e até meio depressivo toca o nosso peito logo ao acordar, aquele tipo de incômodo que nem a correria da rotina pode desfazer. Me peguei pensando naquele guarda-roupa empoeirado que não parecia caber mais nada quando eu entrava, no quanto eu não ligava se as roupas iriam se sujar ao tocarem no meu suor, é como se eu estivesse ali novamente.
O sofá me deixava mais exposta, mesmo tendo quatro vezes o meu tamanho, se alguém me olhasse por cima eu perdia. No guarda-roupa eu estava segura, eu tinha um certo controle, na escuridão ninguém poderia me espionar.
Sinto que ainda estou lá dentro, com a euforia de não saber quando sair pois os passos que preciso que se afastem são os meus. É como se eu não conseguisse deixar essa parte de mim sair para se salvar, então eu a prendo, e em alguns dias ela me consome lentamente.
Quando crescemos esquecemos de quem éramos a fim de seguir quem queremos ser, a criança assustada dando tudo de si para vencer uma partida de esconde-esconde me ensinou um pouco do que eu sei sobre sobreviver. O silêncio solitário em uma casa cheia de crianças que abria espaço para pensar qual seria a melhor forma de vencer. As vezes penso se não temos barulhos demais ao nosso redor e isso nos impede de pensar “qual a melhor forma de vencer?”
Eu não sei se as crianças de hoje ainda brincam de esconde-esconde com a mesma seriedade que as crianças da minha época brincavam, mas eu espero que sim.